terça-feira, 21 de maio de 2013

Sob a Rosa

    O pasto orvalhado fazia cócegas, acariciando os pés da pequena. Ela ria baixinho, imitando o balido das ovelhas, enquanto as conduzia para a parte mais plana da colina.
   A menina não deveria ter mais que seus ternos 10 anos, com as faces ligeiramente bronzeadas e os olhos verdes como um vale fértil. Seus cabelos caíam, desdenhosamente pelas costas em cachos cor-de-carvalho. Sua inocente beleza era um aconchego para os olhos, como a natureza que ali crescia sem pedir licença. As colinas se perdiam até o horizonte, todas de um verde vivo. Umas com vegetação densa, outras sendo campinas perfeita para observar o lugar por completo: o rio que corria manso lá em baixo e pequenas casas de um vilarejo.

    Nessa colina havia um freixo quase tombado pelo vento. Seu tronco se contorceu tanto que chegou a alcançar a grama e nela, rosas silvestres cresciam. A menina imaginava a árvore como um velho amante, que tentava colher as flores e talvez, quando conseguisse, se endireitaria. Enquanto as ovelhas se esparsavam em pequenos grupos barulhentos, ela caminha de olhos fechados e com os lábios esticados em um sorriso, deixando que a relva passe pelos meios de deus pequeninos dedos. Em um ponto a esmo da colina, se joga de costas em uma queda macia. Ainda de olhos fechados e mesmo sorriso, ouve o vento beijando suas bochechas suavemente e o som do rebanho cada vez mais distante.
    O sol já estava quase a pino quando a menina desperta, esfregando os olhos. Ela olha para o freixo com a visão tomada de pequenos borrões, aperta mais os olhos quando pensa ver uma sombra indistinta sob os galhos da velha árvore. Quando consegue focalizar, percebe que é um senhor de cabelos, barba e bigode brancos, o rosto bem vermelho, aparentando seus 70 anos. Ele percebe a menina e faz sinal para que ela se aproxime.
Ela percorre a colina, com o vento soprando em suas costas, quase que encorajando os passos curtos da pequena. Quando chega à sombra da colina, percebe que o velho estava ajoelhado e com a mão cheia de terra.
 
-Sou Léopold - diz o velho parando seu trabalho e virando seus olhos ternos ao encontro dos curiosos da menina.
    
-Agnela Pegorari- responde ela, com aquela timidez infantil engolindo as palavras- Porque está colhendo essas rosas, O que o senhor faz aqui?
 Ele dá um sorriso, fazendo seu bigode parecer um gato se espreguiçando. Olha para as flores dançando com a valsa do vento e começa a falar em um tom mais sério.

-Este é meu rosarium. Eu plantei cada flor debaixo desse freixo a muitos anos antes de você nascer, pequena, e a cada primavera, retorno a este mesmo freixo para levar mais algumas rosas para meu roseiral em L'Hay-les-Roses. Eu plantei mais sementes que você tem de ovelhas...
  

-Mas porque vem de tão longe, se tem seu próprio jardim? Com as rosas nascendo em seus cuidados, elas devem ser mais bonitas e cheias de cor que essas simples rosas campestres... - interrompe Agnela, a divagação do velho jardineiro.
 
-Agnela... Sabia que as rosas silvestres quando estão prestes a morrer emanam um perfume tão sublime... Tão sublime que nenhuma outra rosa tem? Eles ficam em mim e minha casa por muito tempo além do que a minha velha memória me permite. Minha doce Alba, em nenhum ser eu vi tanta paixão e monstruosidade como nos olhos e lábios carmesim dela. Alba!Alba! Como te amei! Mesmo sabendo que seu coração já não pulsava, porque eram suas promessas que faziam o meu pulsar. - Os olhos do florista se enchem de uma raiva colérica antes de ele agarrar a saia da menina, espalhando terra para todos os lados. Agnela se assusta, mas logo os olhos de Léopld se esvaziam e a menina só consegue sentir pena daquele homem.

-Mas sua Alba sempre estará viva! Muito depois que o senhor se for, essas rosas continuarão a florescer aqui, primavera após primavera, enchendo essas colinas de vida!- falava com os seus olhos verdes mais ricos que nunca, exaltada pela história do pobre velho.

-Não sabe como está demoniacamente correta... A Casa das Rosas sempre irá florescer independente de quão rigorosos são os invernos, quão fraca é a terra onde suas raízes se fincam e quão ingênuos são seus jardineiros... - Fala o velho com o olhar vítreo enquanto sua boca se meche debilmente.

    A menina não entende mais nada e tem medo de querer entender. As ovelhas começam a se aglomerar na mesma colina que os dois, com o balido nervoso. Ela tenta se desvencilhar das garras sujas do homem, mas ele a segura com mais força:

-Ouça! Espere! Ouça essa confissão de um velho com o seu coração pesado de tanta culpa! ESCUTE-ME!

    Ela se esforça para olhar para a cara de Lépold, com os olhos revirando nas próprias órbitas e a voz desvairada ele tenta falar, mas a respiração falha, ele tosse e quase morre engasgado com o próprio segredo.

-Aqui não é apenas um Rosarium, é onde enterrei meus pecados. Onde minha Alba descansa eternamente. Aqui era para ser seu túmulo, mas não pude aliviá-la de seu sofrimento! Ela me pediu para mata-lá... Mas eu só a coloquei dentro do caixão enquanto estava desacordada e... E... A enterrei! - O velho se debulha em lágrimas e soluços cortantes na saia, agora imunda da pastorinha.- É por isso que retorno TODA... MALDITA... PRIMAVERA!

 
   
    A pastorinha corre colina abaixo empurrada pelo forte vento, parecendo só mais uma ovelha assustada. Ela nem olha para trás, de onde vem urros do pobre jardineiro. Às vezes quando ele tomava fôlego, ela jurava que podia escutar um sussurro “Léopold" do vento com perfume de rosas.
 
  

   

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