segunda-feira, 17 de abril de 2017

Se você fosse um abismo




Se você fosse um abismo
Chegaria na borda e não temeria
A vertigem ou meu cinismo

Se você fosse um abismo
Aproveitaria a vida
E todo o egoísmo

De renegar o tempo com outros
E passar contigo os poucos
Segundos da descida.


domingo, 30 de outubro de 2016

Eu sei que continuamos morrendo





          Eu sei que nossos maus hábitos vão nos tornar velhos doentes, mas doentes já somos e envelheceremos mais um pouco antes de terminar esse parágrafo.  
    Enquanto meus dedos esquálidos, de unhas roídas e incolores, tamborilam desconfortáveis pelo teclado, minha mente insone tenta conduzir esse texto da mesma forma que um maestro conduziria. Durante um ataque epilético. Com uma perfeição imprevisível.
     Com uma imperfeição previsível: eu sei que continuamos morrendo. Ou que continuamos tomando remédios demais mesmo já sendo doentes. Talvez tomamos remédios de menos e por isso envelheceremos mais um pouco antes de terminar esse parágrafo.
     Compre um complexo vitamínico e pare de fumar. Talvez assim não morramos antes de tornarmos velhos ainda mais doentes, mesmo que sua condição genética te de câncer antes dos 60. Ouça sua mãe, seu médico, seu horóscopo. Eles dizem que librianos tem problemas de infertilidade por causa do sereno. Ouçam eles e ignorem que continuamos morrendo.
     Eu sei que nossos hábitos vão nos tornar velhos doentes, mas eu gosto do som nilístico de desperdício que do meu coração arrítmico faz. Toda vez que você me toca. Mas eu gosto de imaginar suas células oxidando toda vez que seus pulmões se esforçam para sublimar em meu ouvido. 

    Doentes já somos e envelheceremos mais um pouco lendo as próximas pausas, entre vírgulas, eu sei, que, continuamos morrendo, na próxima vez que suspirarmos, um ao outro, resfolegando, eu te amo.           

domingo, 17 de julho de 2016

Poema rotineiro




Dos excessos conhecidos,
abuso da falta de sono.
E todos os sonhos perdidos?
Insones no abandono.

Ansiedade
Da alma, um abcesso.
Corrói-me a réstia da mocidade
O gosto é sempre indigesto

De todas as fugas permitidas,
encontro sempre sexo.
Ora do prazer fugitiva,
ora do prazer objeto.

Torpores imundanos.
Opiático amante.
Faz uma lembrança durar cem anos
e cem anos apagarem-se n'um instante. 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Delirium Tremem - Último dia no Paraíso



                    Uma voz afunilada e quase impessoal, ecoa na mente de uma mulher  deitada no piso de um banheiro azulejado. "Alguém já te disse que os sorrisos são suicidas? - A mulher, quebrando o transe imoto, balança fracamente a cabeça em negativa - Então saiba, quanto mais largo um sorriso for, mais fundo será o abismo de apatia, sofrimento ou mágoa que ele se jogará. A maioria morre do mesmo modo que surge: num violento silêncio. Mas tem aqueles que despencam de uma felicidade tão grande, do própio paraíso, que nem conseguimos prever o momento que ele atingirá o solo. Ao invés disso, sentimos os cantos dos lábios tremerem, depois o queixo, então os olhos se tornam inúteis barragens contra as grossas lágrimas. Os sorrisos são suicidas, Teodora."
            O corpo quase inerte se encolhe no canto do box azulejado. Suas pernas muito magras tremem quando as gotas quentes do chuveiro lhe tocam a carne torpe e alva. Ela passa as mãos arroxeadas pelos longos cabelos emaranhados, tirando-os do rosto. Cruza os braços nas costelas aparentes e aperta os seios contra a pele descolorida do tórax. O braço esquerdo cai com um leve estampido sobre a coxa, antes de escorregar debilmente ao piso. Um filete de sangue corre intermitentemente da pustema localizada na junta do braço com o antebraço. A mulher observa o líquido carmim se diluindo na derme molhada. Os olhos se prendem nas dezenas de córregos, pelos quais sua vida escorre lentamente. O sangue serpenteia no azulejo branco até o delta no ralo. Ela respira com o mesmo chiado no peito que a acompanha a dois meses. Escora o ombro direito na parede e consegue se levantar com tremendo esforço. O sangue vaza mais forte nessa posição, acumulando-se nas pontas dos dedos, uma torta comparação do orvalho em uma árvore seca.
            Fecha a torneira com uma leve tontura, que a segue pelo banheiro. Pega uma regata no chão, já manchada de pingos escuros de sangue seco, amarra em volta da ferida. Seca-se com desleixo, veste um camisão escolhido a esmo do monte de roupa suja, atrás da porta. Mete a mão em todos os bolsos de todas as calças do mesmo monte e encontra um pacotinho de plástico que, para seu descontentamento, estava totalmente vazio. Procura algum cigarro embebido na substância ou em algum dos copos em cima da pia, ainda com o forte cheiro do éter. Nada. Maços amassados na lixeira e copos vazios.  A poeira do som das asas dos anjos, o argento pó sidéreo, havia acabado.A pele vai tomando uma coloração leprosa. O coração bate com raiva, como se xingasse por desperdiçar os 26 anos de trabalho árduo do órgão.Suor e tremores. Boca seca e enjoos. Esperava alguém e ela estava atrasada. Podia sentir a carne enrijecimento, não demoraria para ter outra convulsão. O ar se torna escasso e ela se afoga em si mesma. Apoia-se na parede, não aguenta seu peso e o peso da própia vida se esvaindo.Tenta tragar o oxigênio, mas só respira dor pura, inflando e fazendo arder os pulmões. O corpo cai exausto e fica na posição disforme de uma boneca abandonada. Braços tortos e pernas cruzadas em posições estranhas.
            Os olhos embaçam mais um pouco e giram em todas as direções antes de um som quase inaudível, como se pudesse ouvir o ar sendo deslocado, fazem Teodora estacar. Uma voz dolorosamente familiar a apunha-la. Ouve num pânico comatoso sobre sorrisos que morreram sem cortejo, retém uma lembrança na memória, da queda do seu sorriso mais sincero, expulso do Éden de um abraço.

            Tudo ocorre tão rápido quanto os últimos segundos de um sonho, que estendem-se até os limites do próprio tempo para quem o sonha. Uma manhã de verão. Uma despedida. Gotas de suor brotam da testa retorcida do corpo vacilante de Teodora. Só deuses ausentes e a propia mulher poderiam ver tal cena. Teodora nova, correndo para um abraço mal recebido e um beijo negado de um menino com o sorriso mais ferido que uma alguém esboçou. Segue-se uma discussão feroz, qual um encontro de alcateias na disputa de uma carcaça. Um pedido refutado com tanto pesar, que o coração dos dois se atrofiam para sempre. Então o suicídio do sorriso e a mulher desmorona em soluços. Volta para o banheiro semi-consciente, encara o mesmo homem, a olhando com um meio sorriso terno e trêmulo.

- Achei que não viria.. - diz Teodora com a voz embargada enquanto o sujeito se aproxima. Rouba-lhe um beijo urgente. As línguas fugazes se entrelaçam e deixam ser entrelaçadas. A mulher afasta o rosto poucos centímetros e diz quase suplicante - Faça hoje parecer real.


(Texto feito em Agosto de 2014)

Mácula


Meu jardineiro,
Do roseiral tão vasto
Escolheste a rosa mais torpe
A flor de um branco casto
Esconde a bela insídia
Que toda elas tem
Espinhos maculam o jardineiro

E as pétalas da rosa também




segunda-feira, 18 de janeiro de 2016



Queria criar
Sem destruir
Mas nas veias do poeta corre o nanquim

Queria escrever
Sem me autoconsumir
Mas, como? Sem drenar uma parte de mim?

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Quando não escrevo



Nas coisas que não concebo,
tem sempre uma essência sua
Minha inspiração, nascida no Érebo,
tem morte prematura

Minha escrita, agora percebo,
Não vive pelo traço da melancolia crua.
A vontade que guia pena,
são minhas palavras querendo ser suas.

O poeta amaldiçoado,
toda sua obra condena.
Textos inacabados 

e minhas palavras te escrevendo poemas.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Cefaléia Crônica

            Eram nove horas quando o alarme tocou. A cama estava confortável e quente como um abraço nunca esquecido O lençol escorregava preguiçosamente enquanto ela fazia uma tentativa frustrada de se sentar. Ainda era cedo para sair da cama.
      As pupilas opacas correram para janela aberta. O tecido leve da cortina levitava como um vestido em movimento.
 A brisa quente estava convidativa para um passeio. Ela se imaginou fora dali, no parque ao lado da sua janela. Terminando mais um romance água-com-açúcar e imaginando se os casais que caminhavam juntos eram tão felizes e clichês também. Ela forçou o tronco enquanto apoiava os braços paralelamente ao corpo. Mas ainda era cedo para sair da cama.
            A enxaqueca martelava na cabeça de novo, pega desprevenida pelo alarme. E o calor só piorava a dor. Lembrava da época que vivia normalmente, sem ter os vasos capilares pulsando na têmpora. Quando conseguia sair à noite para se divertir sem ter a cabeça explodida pelos sons da cidade. Buzinas, som alto, gargalhadas. Como até o barulho do teclado parecia pancadas no cérebro. Foi se isolando a medida que a dor de cabeça ia se tornando mais freqüente. Depois de cinco meses e vários especialistas, sem melhora alguma, ela não saía mais de casa e mandou isolar acusticamente todo o apartamento. O único convívio com o mundo quando os analgésicos funcionavam, era aquela janela aberta para o pequeno parque silencioso.Seu milagre para a loucura do isolamento. Os amigos não a visitavam mais, porque tinham que manter silêncio absoluto. Não se interessava por mais ninguém quando imaginava a voz da pessoa ecoando e rasgando sua cabeça. Ela dedicava a vida a dor constante, como uma amante encarcerada. 
Cada detalhe monótono do quarto do pequeno apartamento parecia mais vívido agora, a tinta alva; os dois quadros com tema floral; o pequeno guarda-roupa de madeira escura, combinado com a cama e o criado mudo. Suas mãos tatearam debilmente o móvel procurando um copo de água, achou o frasco de calmantes quase vazio. Ela havia tomado alguns para a maldita enxaqueca que latejava todos os dias, como sinos infernais. Ela calculou, pela dosagem, que iria levantar depois das duas da tarde. Ainda era cedo para sair da cama.

            Eram nove horas quando o alarme de incêndio tocou.

terça-feira, 31 de março de 2015

Teto de Algodão



     A gata preta ronronava no meio do casal que tinham acabado de dar bom-dia um ao outro, mesmo passando das três da tarde. Sem os óculos, os olhos de Carmen pareciam ser da cor mais vívida para Eduardo, apesar do seu daltonismo. E para Carmen os olhos de Eduardo eram nitidamente o borralho mais azul que já vira. Igual um céu impressionista sem nuvem alguma.
     Esse pensamento a fez rir baixinho, escondendo o sorriso bobo no abraço de Eduardo. Ele a acompanhou, sem entender o motivo mas achando aquela risada uníssona a parte mais gostosa de acordar com ela.

    - Me conta porque riu - pede Eduardo tentando tirar o rosto de Carmen do seu peito. Ela descobre metade do corpo e senta-se na cama com a gata no colo.

    - Eu te conto em uma outra vida quando ambos formos gatos. - Responde a menina imitando um sotaque espanhol.


       Déjà-vu. Cada frame do pensamento de Carmen se lembra de algo curioso. Que a nova namorada de seu ex namorado parecia insistir em fazer as mesmas coisas que ela fez. Ir aos mesmos lugares, assistir aos mesmos filmes, ver os mesmos shows. Talvez os mesmos erros também. Era como se Carmen visse uma parte de uma antiga vida repetida, refilmada. E ela não foi boa em seu próprio papel.
       Eduardo atende os miados da gata e abre a porta do quarto. Carmen nem tinha percebido que ela já tinha saltado de seu colo. Ele se deita novamente e levanta o cobertor para que Carmen pudesse deitar ao seu lado. Para que ela pudesse olhar para o céu sem nuvens novamente.

"Talvez eu já esteja em outra vida" - pensa a menina quando Eduardo beija delicadamente seu pescoço. "Talvez eu já esteja"


       Carmem puxa o cobertor, tapando completamente os dois. O céu de Carmen tinha o teto encoberto pelas pálpebras de Eduardo, o dele tinha teto de algodão. E a única coisa que o separava entre a cama e o céu era o corpo de Carmen.





 

quarta-feira, 18 de março de 2015

Morta-pelos-pés



Jaz no chão, o amor que não floresceu.
Jaz no chão, o botão decepado do galho torto.
Jaz no chão, as lágrimas mornas e o soluço rouco.
Aquiles morto, Herácles louco. 
Os grandes permanecem para sempre, mas vivem pouco.
Jaz no chão, meu corpo. 



    Escreveu a poetisa no quarto do casal. A Musa dela dormia nua e ressonava. Tão linda. A poeta deslizou os dedos no cabelo encaracolado de sua amada.

"Morena, sempre soube que seria a flecha no meu calcanhar naquele domingo de outubro, naquele beijo de novembro, nesse 'eu te amo' de dezembro"- Sibilou a poeta, tão baixo que a Musa não ouviu. Nem o homem que dormia ao lado dela ouviu.

    O que se ouviu foi um tiro.