segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Visita

Bem vinda é você
Na casa da solidão.
Que entra sem bater
Ela, com os sentimentos de segunda mão
Vem te receber.

Bem vindas somos
Na casa da solidão.
Há sempre um quarto vago,
afago, compreensão

Coração
Rejeita companhia
Qualquer outra é vazia
Para ela. Para nós.
Bem vinda seja a solidão
Quando não estamos sós.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Campo Santo


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    Um relvado extenso se ergue na luz do dia que se finda. Algumas cabeças de boi ruminam e espanam os insetos com o rabo. O leve sereno já se acumula no capim de um verde vivo, mas parece não incomodar os animais. Nem o pequeno grupo que caminha agachado na parte onde o campo se engrossa, carregando a paisagem de um jeito selvagem. 

- Shhhiu, faz menos barulho João da Cruz, queres que o bando do Moringue nos pegue. Aquieta esse passo, piá!

- É complicado, Netinho. Tu sabe que se a gente se embrenha nesse mato estamos salvos desses caramurus!


    Os outros oito homens, de pele escura e empunhando lanças, tentam silenciar até o pensamento. A campanha foi a mesma cachina da anterior, terminando de destroçar o grupo. Mesmo feridos e com a fome revirando nas tripas, eles sabiam que o que os movia a continuar era algo além da vontade de viver. Era o desejo de liberdade.
    O ar frio da mata fechada sopra esperançoso no rosto de joão da Cruz. Um suspiro de alívio é inspirado por todos. E permanece estocado no peito.


- Te pegamos, seus negrinhos de bosta! - É o som que a maioria ouve por último, vindo da mata.


    Soldados fardando um azul escuro e funesto, com suas botas quase novas e botões dourados, bradam um urro de morte e de vida. Corações dentro de peitos negros ou transpassados por faixas brancas na transversal, batem e param de bater do mesmo jeito. Perante o delírio do confronto, os dois lados são homens e feras.Tiros. Espadas puxadas de suas bainhas. Lanças que sentem o gosto férreo do sangue. Silêncio.
    O breu da noite já predominava de um jeito sepulcral no descampado. Os animais são tocados por peões e ambos parecem não se importar com o sereno gélido. Menos indiferente era o grupo que caminhava agachado em um canto do pasto. A serração não condensava naquele ponto, como se ali, matéria não existisse. Os lanceiros negros mantinham o mesmo passo, sem nem um tremor sequer. Os mortos não sentem frio.

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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Poemeto de Retratação

Eu queria me desculpar, em nome da minha alegria
Ela é indomável e egoísta
Hora quer ser melancolia
Hora quer ser saudosista
Eu queria me desculpar, em nome da minha alegria
pelo seu jeito displicente 
em relação ao amigos
aos meus livros 
ao meu sono.
Eu queria me desculpar, em nome da minha alegria
não sou regente
desse sentimento que atente um só dono
A musa sorri, pelo medo que temia
Não por não sentir, mas por sair da letargia.

domingo, 3 de agosto de 2014

Pretensão




Risada que escondi
Arfar que não respirei

 Dor amarga que bebi
Escaparam de refluxo pelo quarto
E o corpo, já farto do não-sentir
Sente
Duplamente
Como é quente o carmesim
Vou repetir isso em mim
Vou repetir isso em mim


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Canto de um Pulsar



     Algumas madrugadas atrás, descortinei a janela sobre a minha cama. Meus olhos, quase cegos, não reconheceram muita coisa além do borralho iluminado que era a Lua e a copa das árvores,que pouco nítidas, projetavam um espectro agourento no céu noturno. Não me importei em colocar os óculos porque minha vontade, inspirada em poetas parnasianos, era ouvir estrelas e não vê-las.Os olhos castanhos-turvos fixaram-se em um ponto aleatório do céu. Cotovelo se apoiava no umbral da janela, cabeça na palma da mão e a mente se apoiava em lugar nenhum, vagando tão longe que faria inveja na Voyager. O universo era tão tangencialmente finito quanto a minha mente naquele momento. 
    Meus pensamentos orbitavam Castor e Polux quando um ruído vítreo trouxe-me de volta. Um pássaro escuro e lustroso feito piche e olhos de lusco-fusco, investia em batidas regulares contra a minha janela.
     Caí de costas no chão e a queda só não foi mais dolorosa que o medo, trespassando feito lança o estômago. A ave continuava a forçar entrada e a cada nova batida, nova também era a explicação que eu dava a mim mesma.

"Mais um pesadelo vívido, aguente que logo a hiperventilação e tua arritmia vão te despertar." -Dizia a voz da minha consciência em um tom pouco convincente, enquanto eu fechava e abria os olhos com força.

"Paralisia do sono. Vai ser uma péssima e intensa lembrança." - Gaguejava meu subconsciente o primeiro distúrbio do sono, quando o vidro da janela trincou. 

"Sombras do Abismo! Criatura das Horas Mortas!" - Berra qualquer parte primitiva da minha mente enquanto a parte racional treme em silêncio, quando a besta alada salta do buraco no vidro para o quarto escuro. 


     Na penumbra os olhos da ave cintilavam na minha direção,dois globos fosforescentes me examinavam enquanto eu arfava e minhas pernas espasmavam descontroladamente. Em pequenos saltos, ela atravessou a cama e parou com as patas secas em cima das minhas coxas trêmulas. O bico em formato de foice quase encostando no meu queixo. Tentava controlar a expiração das narinas dilatadas pelo pavor quando o pássaro abriu suas longas asas em um arco.
  Então a ave cantou. Primeiro o som foi de um chiado baixo, como um rádio captando só estática. Tive mais medo. O ruído foi ficando constante e metálico. O pássaro cantava a sinfonia de estrelas pós-colapso.
  Fiquei alguns segundos com a boca semi-aberta depois que o seu canto cessou. Inebriada. O animal saltitou ligueiro até a cama e me encarou. Feixes pálidos e frios de luz, forçavam a penumbra e o meu medo do desconhecido a deixar o cômodo. As cores do amanhecer deram uma outra ótica a ave que balançava a cabeça rapidamente entre os meus lençóis.  
   Sua plumagem era de um azul profundo, tão profundo como os mares do norte. A cauda se descoloria numa cascata de tons marinhos, até chegar a um tom níveo de branco e de beleza das Camélias. Os olhos eram pequenos brilhantes que piscavam translúcidos. A ave era tão magnífica, que Narciso deixaria seu reflexo para poder morrer olhando para ela. Era um Pássaro-Contemplador-de-Estrelas.
   Minha vontade foi de cortar a ponta das assas do pássaro, mas seria um pecado transformar tal criatura num mero bibelô. Eu recostei no travesseiro, observando o voo baixo e despreocupado que o Pássaro-Contemplador-de-Estrelas dava no quarto. Talvez ele percebeu meu olhar triste e atencioso, porque veio se aninhar no meu peito e ali ficou. Piou baixinho quando eu acariciei as penas, pedindo para que não fosse embora tão cedo. E ali ficou.
   Trovejou três dias consecutivos e por três dias consecutivos o Pássaro-Contemplador-de-Estrelas deixou que eu ouvisse com todo carinho seu Canto-de-Pulsar. Na madrugada do terceiro dia, o céu se encheu de estrelas. A ave olhava pelo buraco que tinha feito no vidro e uma brisa mansa tremeu suas penas. Então me olhou e seu canto era um lamento.

"Vai! Abre tuas asas sob o Cosmos! - Falei em um tom moroso enquanto minha mão apontava involuntariamente para a janela - A chuva e minha tristeza de monção não são mais suas gaiolas.

   Ele hesitou um segundo e meio, que pareceram uma eternidade e meia. Cantou uma última vez naquela frequência sidérea. Saiu. Observei o voo cadente se distanciando até se fundir com o infinito celeste.
      Sempre aguço meus ouvidos quando uma ave canta. Cotovia, Bem-te-Vi, Coruja. Juro que até o Rouxinol eu já ouvi. Mas o eco de um canto de um pulsar, o som do Pássaro-Contemplador-de-Estrelas, só posso ouvir quando a memória lembra do brilho de Nebulosas distantes.   






sábado, 5 de julho de 2014

domingo, 29 de junho de 2014

Nódoa



Eu sou tua chaga aberta
Latejando em tua derme
Sou a praga abjeta

Do âmago da dor, o verme.

Lhe devoro a carcaça
Lentamente
Da sanidade te afasta
Lentamente.

O meu beijo, é o beijo da lepra.
O meu amor, é o arauto da desgraça.
Mas é somente a dor que estará presente

Enquanto eu, tua doença, te consome e se alastra.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Quando do peito, verte-se a dor
grossa e virulenta
da sua boca, se apossa
de seus olhos, empoça.

Torpor se ausenta

Nos seus abraços outra já se aninha
ela, que se dizia amiga minha
ela, que tem os beijos que eu tanto anseio!

Saudade vive de permeio

Quando do peito, verte-se a dor
pontiaguda e mesquinha
fecha os olhos e sente o amor que se debate e definha

sábado, 1 de fevereiro de 2014



Um sorriso que não foi presenciado por ninguém
Assim como o seu.
Torpes palavras e uma alegria que me deu.
Deixe que a culpa se cale, leviana razão.
Não será alguém que a mente se força a esquecer com dolorosa pressa.
Prometo que não sera por onde a necessidade encontre vazão
e que isso é mais que só promessa.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Falso Despertar



   Ela desperta, o ar lhe fugindo dos pulmões apressadamente. Os olhos se apertam para tentar ver na penumbra do quarto. Eles se acostumam com as sombras e os suspiros ficam mais esparsados. O coração se acalma. Levanta-se e anda até o banheiro, o piso frio, o barulho da porta.
   Então ela desperta, franze o cenho, falso despertar. Levanta-se e sente o quaro girando. Deita e tenta acalmar o peito que chuta com raiva a caixa torácica. A pulsação não desacelera, o ar teima em não ser suficiente. Respira e nada. Respira e se afoga em nada. Respira e...
   Então ela desperta. O corpo numa posição estranha. A testa molhada. O coração não cessa. Pensa e logo o corpo pende como trapos.
   Então ela desperta, se aninha em alguém que ressona. Dá um meio sorriso e respira tão profundamente que sente o cheiro da própria descrença. Cerra os os olhos. O quarto se torna mais claro, a luz faz seus olhos piscarem deliberadamente. Ela os abre por um segundo, escapa um nome rouco. Ninguém. 
   Então ela dorme.
     

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Quando a lembrança te trai com um poema


Eu sou o silêncio em tua cama
A mão que te abandona ao abismo
Do teu futuro, a lama
Do teu sorriso, cinismo.

Eu sou a dor que espartilha teu peito
Sou a palavra não dita
Sou o juramento desfeito
Mulher, dentre todas, maldita.

Sou um devaneio de morte
Uma sombra entre os que ainda respiram
A tudo deixei de ser forte
Quando aos teus pés, meus joelhos caíram

Eu sou o pedido usurpado
Sou o corpo em choque no leito
Sou quem clama em vão por seu amado
Tu é o pensamento prostremo e a morte, o fim perfeito.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Ao mestre com carinho - Um conto sobre Tzmices




     O Sangue jorra quente na face cor de giz da menina. Ela sorri. Duas orelhas foram cortadas. Um grito saído do pior pesadelo preenche toda a quietude e imundície da sala mal iluminada. E ela sorri, apesar do protesto do corpo torturado. 

-"Por favor, não se debata, - diz a garota sadicamente feliz - não quero ter que anestesiar você.. shh, shh, shh, não chore. Eu sei que dói, eu sei.. - ela recosta, sob um protesto inútil, a cabeça do homem catatônico no seu ombro - Mas eu preciso que sofra bastante para que o desespero fique impresso no seu rosto antes de arranca-lo dos seus ossos."


     O homem se debate como se tivesse sido eletrocutado por essa frase. Puxando as amarras para livrar o débil corpo. Ele está em um "x" quase na parede no fundo da sala. Os braços esticados até o limite dos tendões por roldanas presas no teto e os pés a centímetros do chão segurados por grossas correntes. Ela observa a inútil tentativa do homem animada. "Isso vai ser promissor, dos outros tive que dispensar grande parte do couro porque não estava duro o suficiente. Preciso estressa-lo mais um pouco para deixar a carne rija."

     Ela se aproxima da mesa metálica, forrada de papel verde, onde estão vários bisturis, serras, furadeiras, impecavelmente limpas, contrastando ferozmente com o lugar, limpa o canivete que usou para decepar-lhe as orelhas, guarda no bolso do avental de açougueiro, vira os olhos na direção do corpo pendurado e dedilha os instrumentos. Os olhos do homem acompanham os dedos da menina com tanto medo que um olhar possa transmitir, gotas de suor banham a tez negra, junto com o sangue e as lágrimas. Ela pega uma foto em cima da mesa e olha para a imagem com interesse.

-"Eu vi como sua mulher te trata agora, depois que você deixou o mais velho se afogar na piscina. Estava tão bêbado na sala que não ouviu os gritos de socorro de seu próprio filho - ela cai na gargalhada, quando o homem se desfaz em lágrimas- Quando eu terminar meu trabalho aqui, vou até sua casa.. - ela faz uma pausa e sorve com prazer o olhar de terror do pobre coitado - ... e pregar os dois na parede..."


-"NÃÃÃO! ... por, por favor não... Quem é você? - choro incontrolável- Vo-vo-cê é só uma garotinha, tem quantos? 9, 10 anos? Que espécie de besta sem coração é... VOCÊÊÊÊ!"


-"Eu sou aquilo que até seu Deus deveria temer, uma filha bastarda de Caim - a expressão suave do rosto da garota se transforma, os olhos se acendem e a voz torna-se perigosamente rouca- Sou quem vai lhe dar uma prévia do inferno. Eu tenho um coração, mas ele não bate mais..."- ela pega a seringa de adrenalina na mesa e se aproxima do corpo em choque do homem.


     Ele convulsiona por alguns minutos até o corpo ficar inerte, debilmente pendurado. Ela olha com um brilho nos olhos para o rosto do cadáver. Sorri, mostrando todos as navalhas esmaltas.


-"Padrinho!Padrinho! Pode descer, acabei."


Um homem muito velho, com os ossos tão saltados que parecia um exoesqueleto, desce com calma as escadas. Há muito sangue no piso.


-"Katherinne! Onde você está minha luz na bruma? Oh, aí está você!- Fala com um tom alegre para a menina que acabou de abraça-lo pelo quadril - Qual é a surpresa?


     Katherinne, leva o homem pela mão até metade da sala, onde retira um pano 
de um enorme volume.

-"Disse que da sua velha poltrona não dava mais para sentir o cheiro do horror dos condenados. Então eu moldei a carne e os ossos de três filhos de Adão de pele escura para imitar o couro da sua velha poltrona, gostou?"


     O velho vampiro esculpe no rosto um largo sorriso e se senta na poltrona, fecha os olhos e suspira longamente.


-"Kath, sente aqui no meu colo, vou te contar umas histórias antediluvianas para você. - a menina se senta e da um beijo na bochecha do caianita - Não sei o que seria da eternidade sem você Kath"

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

ELETROCARDIÓGRAFO



Não sinto tais linhas
Como não sinto mais a agulha e o mandril.
A mente delira e borbulha.
Lembrança que como fagulha, se esvaiu
Tantos fios, eletrodos.
Eles todos, me fazem me sentir uma marionete senil.
A maca parece que ri, com os espasmos do meu corpo febril.
Tórax exposto
Os aparelhos me reconhecem em convulsão.
cateter vesical; entubação endotraqueal
Esboço um sorriso de pré-derrame no rosto
monitor cardíaco; respirador mecânico; bomba de infusão;
O desfibrilador deitou ao meu lado e perguntou como vai meu coração.
Arritmia, palpitação, taquicardia
hipocondríaca é a razão. 


















quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Exilar-se do Domingo



        "As vezes me pergunto o por quê conhecemos pessoas, pois poderíamos simplesmente ama-las, seria tão mais fácil.
Incógnitas que induzem ao aluamento, rompendo a sensatez, nos fazem submergir nas vísceras de outrem, até que você conclui que tudo isso é psíquico...
Eu poderia viver a mil, viver por mil, viver com mil, as vezes isso acontece. Mas o problema é que eu sei que sou menos novecentos e noventa e nove.
Desconheço as vantagens da benevolência, sei que teoricamente são admiráveis, chega a ser engraçado falar tão fluentemente de algo que não tenho ciência, porém, há todo um sentido. Sempre procuramos saber mais sobre aquilo que pouco sabemos."

-Pallas

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   Um pensamento solto que uma pessoa querida me deixou fixar aqui. Uma ghost writer que pediu para ser creditada como "Pallas". Bem vinda, pequena insone.