quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Campo Santo


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    Um relvado extenso se ergue na luz do dia que se finda. Algumas cabeças de boi ruminam e espanam os insetos com o rabo. O leve sereno já se acumula no capim de um verde vivo, mas parece não incomodar os animais. Nem o pequeno grupo que caminha agachado na parte onde o campo se engrossa, carregando a paisagem de um jeito selvagem. 

- Shhhiu, faz menos barulho João da Cruz, queres que o bando do Moringue nos pegue. Aquieta esse passo, piá!

- É complicado, Netinho. Tu sabe que se a gente se embrenha nesse mato estamos salvos desses caramurus!


    Os outros oito homens, de pele escura e empunhando lanças, tentam silenciar até o pensamento. A campanha foi a mesma cachina da anterior, terminando de destroçar o grupo. Mesmo feridos e com a fome revirando nas tripas, eles sabiam que o que os movia a continuar era algo além da vontade de viver. Era o desejo de liberdade.
    O ar frio da mata fechada sopra esperançoso no rosto de joão da Cruz. Um suspiro de alívio é inspirado por todos. E permanece estocado no peito.


- Te pegamos, seus negrinhos de bosta! - É o som que a maioria ouve por último, vindo da mata.


    Soldados fardando um azul escuro e funesto, com suas botas quase novas e botões dourados, bradam um urro de morte e de vida. Corações dentro de peitos negros ou transpassados por faixas brancas na transversal, batem e param de bater do mesmo jeito. Perante o delírio do confronto, os dois lados são homens e feras.Tiros. Espadas puxadas de suas bainhas. Lanças que sentem o gosto férreo do sangue. Silêncio.
    O breu da noite já predominava de um jeito sepulcral no descampado. Os animais são tocados por peões e ambos parecem não se importar com o sereno gélido. Menos indiferente era o grupo que caminhava agachado em um canto do pasto. A serração não condensava naquele ponto, como se ali, matéria não existisse. Os lanceiros negros mantinham o mesmo passo, sem nem um tremor sequer. Os mortos não sentem frio.

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