terça-feira, 10 de setembro de 2013


Todos os erros se acumulam em uma cova rasa, 
escavada com a própria mão. 
Crime perfeito, mas culpa te escarra.
Todos somos cúmplices da solidão. 

Visita é sempre a falta

Uma vida é nada. Passa só.
Ossos velhos doem sem tempo.
Uma (in)decisão, em corda vira nó.

O nada vira pó. 




segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A Mulher de Cristal

    Da forma do artista, saiu a massa plástica viscosa. Disforme pelo calor do forno. Ele aprecia o trabalho, enquanto o material se enrijece.
    O vidraceiro demorou uma vida toda para aperfeiçoar o molde, a quantidade perfeita de sílica,sódio, cálcio e decepção depois que a obras finais saíram com defeitos. Ele tinha os traços do rosto fundos, por se sentir  incompleto na vida e completamente infeliz. Nenhuma mulher viva o encantava, pele quente jamais fez  amar alguém, mesmo buscando isso desesperadamente. Mas no fim eram só palavras e expectativas para elas e dois corpos falhos para ele . Ele não tinha laços com os vizinhos e amigos, seu coração era mais frio e imóvel que as taças expostas na vitrine da pequena loja.
    A mulher saiu do molde, a pele fria era de vidro tão cristalino, que parecia ser de gelo puríssimo. Óxido de ferro na mistura inicial, deixaram os cabelos dela quase bronze e o cobalto, fizeram seus olhos tristes e azuis. Seu corpo sem vida , faria com qualquer mulher quisesse parar o coração e ter aquela perfeição por uns segundos . E homens passariam todos os anos restantes da vida deles, abandonado mulher e filhos, só pelo prazer da contemplação infinita. Mas o artista, ele só queria que aquela escultura de cristal pudesse retribuir o que ele sentia.  Ele se aproximou de sua obra, envolveu-a com seus braços e calor. Por um momento ele achou que era a pele dele que era fria , que era o coração dele que não batia. Que tudo vinha da mulher de cristal. Então, em sua delirante paixão, ele roubou um beijo dos lábios imóveis enquanto que a esperança lhe roubava uns minutos.
    Quando os lábios se separaram, ele olhou com os olhos turvos pelas primeiras lágrimas de sua vida. Pelo breve momento que os olhos não transbordaram e o líquido se acumulou, ele viu o corpo da mulher iluminado por uma miríade de cores, como se ela fosse um vitral gregoriano tocado pelo sol.  Mas assim que as lágrimas se tornaram torrenciais, formando gotas grossas no fim rosto,  tudo desapareceu. E uma dor excruciante fez o seu coração se contorcer dentro do peito, rasgando-lhe as entranhas.  A vontade dele era enfiar com toda fúria a mão no peito e esmagar o coração. Já que a obra ele sabia que não teria coragem de destruir.
    O vidraceiro saiu da loja como se nem fosse sua, como se ele fosse um cão vadio expulso de uma chance de se abrigar da chuva. Ele entrou no primeiro bordel que sua loucura o trouxe, se deixou levar por ela, entre pernas e suspiros,a querer se sentir vivo novamente. Ele iria se intoxicar com o veneno dos pecados, até não sobrar mais nada do homem que ele era.  Depois se mudaria da cidade, se casaria com uma prima que gostava dele desde que os dois eram crianças. Assim, mesmo não sentindo nada por ela, o amor dela, seria como antídoto para tudo que ele fez com as pessoas na miserável existência, para toda a lúxuria que ele alimentava naquela noite.  Então as garotas lhe trouxeram bebida.     Cada gole que ele sorvia, imaginava estar beijando sua musa vítrea, quando seus lábios encostavam-se ao frio copo.  Ele bebeu até o corpo se sentir dormente, até que a bebida não estivesse tão amarga quanto a sua vida de mágoas.
    O homem tomou até que sua consciência perdeu a voz. Então ele ouviu as palavras delirantes da loucura. E sua loucura tinha razão.
    Ele retornou para sua oficina entre quedas e palavrões,  os degraus desceram pelos seus pés trôpegos. Ela estava lá, quase nua, vestida apenas com os olhares que eram direcionados a ele, que nem esperou o coração acelerar para beija-la novamente.  Ter o corpo dela tão próximo e se sentir completo.  Eles chegam ao chão entre carícias de puro desejo.  A mulher olha para seu rosto com uma expressão da mais refinada dor e lágrimas de vidro rolam pelos seus olhos.  Ele não entende e tenta seca-las. Quando a palma da sua mão toca o rosto da mulher,abre um talho profundo e o sangue corre quente. Inconscientemente tenta limpar na camisa, mas a mesma está encharcada com grandes poças de sangue no tecido branco.  
    Seus olhos estão secos dessa vez e olham para o corpo abaixo. O que  era vivo para ele, agora são grossas lâminas de vidro dentro de sua carne. O corpo tomba sem forças sobre os cacos.Seus olhos são perfurados pelo impacto bruto e ele sente novamente seu corpo se tornando frio. Ele ouve um coração batendo cada vez mais distante e um sorriso se alarga no rosto dilacerado. Sua loucura veio se despedir antes do abraço da morte.

    Os lábios da mulher de cristal estavam intactos e o artista teve em seu último beijo.