Da forma do artista, saiu a massa plástica viscosa. Disforme
pelo calor do forno. Ele aprecia o trabalho, enquanto o material se enrijece.
O vidraceiro demorou uma vida toda para aperfeiçoar o molde,
a quantidade perfeita de sílica,sódio, cálcio e decepção depois que a obras
finais saíram com defeitos. Ele tinha os traços do rosto fundos, por se
sentir incompleto na vida e
completamente infeliz. Nenhuma mulher viva o encantava, pele quente jamais fez amar alguém, mesmo buscando isso
desesperadamente. Mas no fim eram só palavras e expectativas para elas e dois
corpos falhos para ele . Ele não tinha laços com os vizinhos e amigos, seu
coração era mais frio e imóvel que as taças expostas na vitrine da pequena
loja.
A mulher saiu do molde, a pele fria era de vidro tão
cristalino, que parecia ser de gelo puríssimo. Óxido de ferro na mistura
inicial, deixaram os cabelos dela quase bronze e o cobalto, fizeram seus olhos
tristes e azuis. Seu corpo sem vida , faria com qualquer mulher quisesse parar
o coração e ter aquela perfeição por uns segundos . E homens passariam todos os
anos restantes da vida deles, abandonado mulher e filhos, só pelo prazer da
contemplação infinita. Mas o artista, ele só queria que aquela escultura de
cristal pudesse retribuir o que ele sentia.
Ele se aproximou de sua obra, envolveu-a com seus braços e calor. Por um
momento ele achou que era a pele dele que era fria , que era o coração dele que
não batia. Que tudo vinha da mulher de cristal. Então, em sua delirante paixão,
ele roubou um beijo dos lábios imóveis enquanto que a esperança lhe roubava uns
minutos.
Quando os lábios se separaram, ele olhou com os olhos turvos
pelas primeiras lágrimas de sua vida. Pelo breve momento que os olhos não
transbordaram e o líquido se acumulou, ele viu o corpo da mulher iluminado por
uma miríade de cores, como se ela fosse um vitral gregoriano tocado pelo sol. Mas assim que as lágrimas se tornaram
torrenciais, formando gotas grossas no fim rosto, tudo desapareceu. E uma dor excruciante fez o
seu coração se contorcer dentro do peito, rasgando-lhe as entranhas. A vontade dele era enfiar com toda fúria a mão
no peito e esmagar o coração. Já que a obra ele sabia que não teria coragem de
destruir.
Ele retornou para sua oficina entre quedas e palavrões, os degraus desceram pelos seus pés trôpegos.
Ela estava lá, quase nua, vestida apenas com os olhares que eram direcionados a
ele, que nem esperou o coração acelerar para beija-la novamente. Ter o corpo dela tão próximo e se sentir
completo. Eles chegam ao chão entre
carícias de puro desejo. A mulher olha
para seu rosto com uma expressão da mais refinada dor e lágrimas de vidro rolam
pelos seus olhos. Ele não entende e
tenta seca-las. Quando a palma da sua mão toca o rosto da mulher,abre um talho profundo e o sangue corre quente. Inconscientemente tenta limpar na camisa, mas
a mesma está encharcada com grandes poças de sangue no tecido branco.
Seus olhos estão secos dessa vez e olham para o corpo abaixo. O que era
vivo para ele, agora são grossas lâminas de vidro dentro de sua carne. O corpo tomba sem forças sobre os cacos.Seus
olhos são perfurados pelo impacto bruto e ele sente novamente seu corpo se
tornando frio. Ele ouve um coração batendo cada vez mais distante e um sorriso
se alarga no rosto dilacerado. Sua
loucura veio se despedir antes do abraço da morte.
Os lábios da mulher de cristal estavam intactos e o artista
teve em seu último beijo.
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