domingo, 30 de outubro de 2016

Eu sei que continuamos morrendo





          Eu sei que nossos maus hábitos vão nos tornar velhos doentes, mas doentes já somos e envelheceremos mais um pouco antes de terminar esse parágrafo.  
    Enquanto meus dedos esquálidos, de unhas roídas e incolores, tamborilam desconfortáveis pelo teclado, minha mente insone tenta conduzir esse texto da mesma forma que um maestro conduziria. Durante um ataque epilético. Com uma perfeição imprevisível.
     Com uma imperfeição previsível: eu sei que continuamos morrendo. Ou que continuamos tomando remédios demais mesmo já sendo doentes. Talvez tomamos remédios de menos e por isso envelheceremos mais um pouco antes de terminar esse parágrafo.
     Compre um complexo vitamínico e pare de fumar. Talvez assim não morramos antes de tornarmos velhos ainda mais doentes, mesmo que sua condição genética te de câncer antes dos 60. Ouça sua mãe, seu médico, seu horóscopo. Eles dizem que librianos tem problemas de infertilidade por causa do sereno. Ouçam eles e ignorem que continuamos morrendo.
     Eu sei que nossos hábitos vão nos tornar velhos doentes, mas eu gosto do som nilístico de desperdício que do meu coração arrítmico faz. Toda vez que você me toca. Mas eu gosto de imaginar suas células oxidando toda vez que seus pulmões se esforçam para sublimar em meu ouvido. 

    Doentes já somos e envelheceremos mais um pouco lendo as próximas pausas, entre vírgulas, eu sei, que, continuamos morrendo, na próxima vez que suspirarmos, um ao outro, resfolegando, eu te amo.           

domingo, 17 de julho de 2016

Poema rotineiro




Dos excessos conhecidos,
abuso da falta de sono.
E todos os sonhos perdidos?
Insones no abandono.

Ansiedade
Da alma, um abcesso.
Corrói-me a réstia da mocidade
O gosto é sempre indigesto

De todas as fugas permitidas,
encontro sempre sexo.
Ora do prazer fugitiva,
ora do prazer objeto.

Torpores imundanos.
Opiático amante.
Faz uma lembrança durar cem anos
e cem anos apagarem-se n'um instante. 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Delirium Tremem - Último dia no Paraíso



                    Uma voz afunilada e quase impessoal, ecoa na mente de uma mulher  deitada no piso de um banheiro azulejado. "Alguém já te disse que os sorrisos são suicidas? - A mulher, quebrando o transe imoto, balança fracamente a cabeça em negativa - Então saiba, quanto mais largo um sorriso for, mais fundo será o abismo de apatia, sofrimento ou mágoa que ele se jogará. A maioria morre do mesmo modo que surge: num violento silêncio. Mas tem aqueles que despencam de uma felicidade tão grande, do própio paraíso, que nem conseguimos prever o momento que ele atingirá o solo. Ao invés disso, sentimos os cantos dos lábios tremerem, depois o queixo, então os olhos se tornam inúteis barragens contra as grossas lágrimas. Os sorrisos são suicidas, Teodora."
            O corpo quase inerte se encolhe no canto do box azulejado. Suas pernas muito magras tremem quando as gotas quentes do chuveiro lhe tocam a carne torpe e alva. Ela passa as mãos arroxeadas pelos longos cabelos emaranhados, tirando-os do rosto. Cruza os braços nas costelas aparentes e aperta os seios contra a pele descolorida do tórax. O braço esquerdo cai com um leve estampido sobre a coxa, antes de escorregar debilmente ao piso. Um filete de sangue corre intermitentemente da pustema localizada na junta do braço com o antebraço. A mulher observa o líquido carmim se diluindo na derme molhada. Os olhos se prendem nas dezenas de córregos, pelos quais sua vida escorre lentamente. O sangue serpenteia no azulejo branco até o delta no ralo. Ela respira com o mesmo chiado no peito que a acompanha a dois meses. Escora o ombro direito na parede e consegue se levantar com tremendo esforço. O sangue vaza mais forte nessa posição, acumulando-se nas pontas dos dedos, uma torta comparação do orvalho em uma árvore seca.
            Fecha a torneira com uma leve tontura, que a segue pelo banheiro. Pega uma regata no chão, já manchada de pingos escuros de sangue seco, amarra em volta da ferida. Seca-se com desleixo, veste um camisão escolhido a esmo do monte de roupa suja, atrás da porta. Mete a mão em todos os bolsos de todas as calças do mesmo monte e encontra um pacotinho de plástico que, para seu descontentamento, estava totalmente vazio. Procura algum cigarro embebido na substância ou em algum dos copos em cima da pia, ainda com o forte cheiro do éter. Nada. Maços amassados na lixeira e copos vazios.  A poeira do som das asas dos anjos, o argento pó sidéreo, havia acabado.A pele vai tomando uma coloração leprosa. O coração bate com raiva, como se xingasse por desperdiçar os 26 anos de trabalho árduo do órgão.Suor e tremores. Boca seca e enjoos. Esperava alguém e ela estava atrasada. Podia sentir a carne enrijecimento, não demoraria para ter outra convulsão. O ar se torna escasso e ela se afoga em si mesma. Apoia-se na parede, não aguenta seu peso e o peso da própia vida se esvaindo.Tenta tragar o oxigênio, mas só respira dor pura, inflando e fazendo arder os pulmões. O corpo cai exausto e fica na posição disforme de uma boneca abandonada. Braços tortos e pernas cruzadas em posições estranhas.
            Os olhos embaçam mais um pouco e giram em todas as direções antes de um som quase inaudível, como se pudesse ouvir o ar sendo deslocado, fazem Teodora estacar. Uma voz dolorosamente familiar a apunha-la. Ouve num pânico comatoso sobre sorrisos que morreram sem cortejo, retém uma lembrança na memória, da queda do seu sorriso mais sincero, expulso do Éden de um abraço.

            Tudo ocorre tão rápido quanto os últimos segundos de um sonho, que estendem-se até os limites do próprio tempo para quem o sonha. Uma manhã de verão. Uma despedida. Gotas de suor brotam da testa retorcida do corpo vacilante de Teodora. Só deuses ausentes e a propia mulher poderiam ver tal cena. Teodora nova, correndo para um abraço mal recebido e um beijo negado de um menino com o sorriso mais ferido que uma alguém esboçou. Segue-se uma discussão feroz, qual um encontro de alcateias na disputa de uma carcaça. Um pedido refutado com tanto pesar, que o coração dos dois se atrofiam para sempre. Então o suicídio do sorriso e a mulher desmorona em soluços. Volta para o banheiro semi-consciente, encara o mesmo homem, a olhando com um meio sorriso terno e trêmulo.

- Achei que não viria.. - diz Teodora com a voz embargada enquanto o sujeito se aproxima. Rouba-lhe um beijo urgente. As línguas fugazes se entrelaçam e deixam ser entrelaçadas. A mulher afasta o rosto poucos centímetros e diz quase suplicante - Faça hoje parecer real.


(Texto feito em Agosto de 2014)

Mácula


Meu jardineiro,
Do roseiral tão vasto
Escolheste a rosa mais torpe
A flor de um branco casto
Esconde a bela insídia
Que toda elas tem
Espinhos maculam o jardineiro

E as pétalas da rosa também




segunda-feira, 18 de janeiro de 2016



Queria criar
Sem destruir
Mas nas veias do poeta corre o nanquim

Queria escrever
Sem me autoconsumir
Mas, como? Sem drenar uma parte de mim?