segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sombras de Ontem

    Ontem tive um sonho, onde as trevas do meu peito me engoliam. Foi tão real a sensação que eu resolvi fazer um conto sobre isso. 


   Me deitei sem saber se as estrelas brilhavam nas horas mortas da noite. A cama estava aquecida de lembranças mornas. Mas eu não sentia calor algum.
  Acordei por causa do ouvido infeccionado, descobri as cobertas ainda com aquela sensação de quem recém desperta. Aquele torpor de não pertencer a lugar nenhum. Os olhos embaçados pelo sono, não perceberam de imediato.
  Primeiro veio a sensação de uma angústia esmagadora, sentia o peito mais denso do que chumbo. O coração batia com uma dificuldade dolorosa, ele ecoava no quarto e fazia meus ouvidos doerem. Eu podia sentir cada pulsação como uma punhalada dentro do meu tímpano.
  Minhas mãos correram de encontro ao lado esquerdo e se afundaram. Os olhos foram de imediato para o inexplicável. Sombras dançavam. As sombras tinham um estado próprio. Elas não eram matéria, mas ao mesmo tempo eram. Uma fumaça densa e pegajosa ao sentido da visão, embora que ao tato, ela era insensível.
  Um frio, quase zero absoluto, percorreu minha espinha. Os pelos se eriçaram. Eu era puro medo. Procurei pela presença de mais alguém no quarto. Um ser em especial. Um filho de caim. A cria mais amaldiçoada do Sabá.
  Ele se vestia de sombras, seus olhos eram negros e fundos como o abismo. Cabelo de nanquim e a voz era tão profunda, que falava com a alma de quem fosse visitado por ele. Mas não eu. 
  Chamei seu nome. O silêncio me respondeu.
  A mancha negra em meu peito, se esvaiu, vertendo trevas no quarto inteiro.
  Olhei para o peito. A mancha negra foi devorando lentamente minha carne. Mas eu nada sentia. Sentia ausência de sentir tudo, a medida que minha pele ia necrosando. Eu estava paralisada pelo fim e uma voz veio do além-das-sombras.

"É inútil qualquer resistência. Você e as sombras do seu peito são uma só, sempre foram. Deixe que elas te devorem, criança. Se entregue ao seu próprio abismo"


  Não sei porque obedeci. Mas fechei os olhos. Senti as sombras como um manto, cobrindo meu corpo. Lembro de sentir as trevas acariciando meu rosto e meu cabelo. Seu toque era uma exclusão de sentidos: nem quente, nem frio, nem forte, nem delicado. Era como ser tocada por alguém que deixou de amar. Você não podia sentir e mesmo assim sentia.
  Assim eu me tornei as sombras em meu peito. Em um ponto, meu coração deixou de bater, na verdade eu já não o sentia. Não me sentia. Não sentia.
  Angústia.