quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O Vazio tem seu nome, Mariana.

Esse conto foi idealizado com a ajuda de Hibernal Dream, um futuro Ghost Writer. Ele me deu um tempo da sua madrugada para trocarmos nossos textos e de um dele surgiu essa ideia. Nosso conto, com orgulho. Aproveitem.




      O desespero vem rápido como um tiro. A morte sobe os degraus, fazendo a escada ranger dolorosamente. A madrugada mal começou e eu estou quase no fim do maço de cigarros. Dou uma longa tragada e posso sentir o alcatrão fazendo seu caminho até meus pulmões cansados. O gosto queima na garganta e permanece forte na língua. Expiro o veneno, carbono e lembranças. As lembranças são as notas mais fortes dessa essência de desaconchego.  A fumaça dança em espirais na penumbra, iluminada pela fresta da janela formando vários retângulos de luz no piso da cozinha.
Incrível  como posso me recordar dela na primeira manhã, depois da primeira noite. Descabelada e rouca, andando na ponta dos diminutos pezinhos até a cozinha. Linda. É como se a casa tivesse memória celular e se lembrasse de cada toque nas paredes, de cada roupa jogada pelo chão, cada vez que ela suspirou dentro dos cômodos, cada lágrima pelos cantos e guardasse como o último rosto a ser lembrado antes da demolição. Infelizmente só a casa lembra, porque não consigo lembrar do rosto dela. Posso ver claramente o sorriso, o olhar de soslaio, mas se tento concentrar no rosto completo, por mais que eu me esforce, a mente falha. Eu daria meu passado inteiro, pela só pela lembrança do rosto dela naquela manhã primeva. Desde o momento que as pupilas se contraíram por causa da luz, até o sorriso que ela me deu, músculo por músculo daquela face corada pelo sono por mim acompanhado. Esse seria o momento que eu gostaria de ver antes de morrer. Porque esse foi o limiar dos meus sonhos mais belos e a ruína da minha seca alma. Quando eu me lembro do rosto de Mariana, é tudo breu infindável, é quando eu estou sozinho em meus pensamentos.
Termino o maço, lembrando que dizia que o cabelo dela tinha cheiro de orvalho. Que idiotice! As bactérias que evaporam do chão tem esse cheiro, não a água. Mas mesmo assim eu me sentia Drummond falando isso aos sussurros para a minha musa. Depois quando ela pediu “um tempo”, eu vivia repetindo e vivia para repetir o “Não se mate. Carlos,sossegue,o amor é isso que você está vendo:hoje beija, amanhã não beija,”, sendo eu um outro Carlos ferido, esse poema virou oração. De tempo em tempo, veio à separação e um novo amor. Para Mariana.
     Arrasto-me até o amontoado de cobertas onde ficava nossa cama. Eu queimei-a no último acesso de frustração. “Ela me esqueceu”-repetia bêbado- enquanto o metal retorcia e estalava. No fim, sobrou só o refugo de um homem, de uma cama e de um amor que não vingou. O sono vem logo, junto com os mesmos pensamentos que me visitam há meses.  Na primeira vez que encostei a pistola na língua, tive a impressão de que o ferro tinha gosto de sangue. Isso me fez suar frio e abandonar a arma na terceira gaveta do criado mudo. A ideia também foi trancada em algum cofre da mente, junto com os devaneios de aparecer pelado na escola e meu primeiro sonho molhado. É vergonhoso lembrar-se disso, você se sente vulnerável demais e tenta nunca mais se sentir assim. Mas as vezes esses cofres são arrombados pela confiança em outros. Um anônimo que tenha os seus sonhos, um amigo que tenha seu corpo, um amor que tenha sua vontade, seus sonhos e seu corpo. Mariana...
     A noite se desfaz como veio: Estúpida e fria. Me sinto um mendigo, sujo e bêbado, enrolado em uns trapos que foram cobertas um dia. Acho que talvez eu seja, um mendigo esquizofrênico que se imagina em um apartamento velho e quase sem mobília, chutado por uma mulher. Droga, seu eu realmente fosse estaria sibilando isso com o cabideiro e não em um solilóquio. A boca seca, os olhos tortos... ressaca. Talvez seja a hora de uma carta. Me levanto com o quarto rodopiando, vou até meu casaco roto e dentro dele pego uma lápis pela metade, roído e uma caderneta. Me escoro e sinto a parede deslizar pelas costas até chegar no frio chão. Olho para a janela com cortinas improvisadas de lençol. O sol já vem, Carlos. Perco uns minutos olhando para a esparsa luz que invade a fresta e o ar sujo do quarto. A pele dela ficava tão linda tocada pela luz de um dia que deixou de existir. As cores tinham tons de sonho, desfocadas e caleidoscópicas. Minha mão treme um pouco, tirando-me do devaneio. O papel está pronto.

" Mariana, maldita seja quando seu sorriso se perdeu em meus olhos, eu... "

    Paro de escrever, ela não merece nem essas torpes linhas. Vou partir como vivi nesse mundo: sozinho. Sei onde está a arma. O gosto de sangue não está mais no cano. É férreo sim. Do jeito que seu beijo costumava ser... Mariana... 
         O desespero vem rápido como um tiro. A morte sobe os degraus, fazendo a escada ranger dolorosamente. Mas eu lembrei de trancar a porta?

               


                

Nenhum comentário:

Postar um comentário