terça-feira, 19 de novembro de 2013

Vespas: Histeria

II
Histeria


    O consultório era um lugar estéril para o homem. Mesmo sentado no sofá almofadado, mesmo o lugar sendo condescendente a sua classe, ele se sentia desconfortável. Os pés inquietos, olhos fixos no chão, dedos tamborilando no colo. Ele estava impaciente para se retirar dali, com ou sem sua mulher. Mas o que mais o irritava era o sorriso da recepcionista, dava para ouvir o "Eu sei o que vai ocorrer daqui a pouco. Que vergonha para um homem como o senhor sua mulher ser assim." por detrás daqueles lábios esticados. 
   A porta se abre e um médico calvo e de barbas brancas, cumprimenta e o convida a entrar. Que alívio.
 
   "Há quanto tempo"!- diz o médico indicando a cadeira defronte a sua mesa para o outro- "Triste saber o que houve com a Dália, George. Mas veio à pessoa certa, aqui ela receberá o tratamento certo e o sigilo necessário.
 
-Obrigado Dr.Leifert. Como vai a Constance e as meninas?- Ele diz isso com um sorriso envergonhado para o médico. Um amigo de longa data seria mesmo a melhor opção?
 
-Ah, a Constance anda meio constipada, culpa do climatério feminino e esses fogachos. As gêmeas vão bem, precisa ver como a Brenda e Bianca estão coradas e viçosas! Elas completam 15 em maio. Vou fazer a festa na fazenda que destes a mim e a Constance de presente de Casamento.- O sorriso do homem é quase todo escondido pela barba alva.

-Preciso falar com Dália, talvez ela queira passar uma temporada na Europa novamente. Sabe como ela detesta esse clima quente de Novembro- George dá um sorriso amarelo e o Doutor percebe que a conversa se estendeu demais.

-Bem... podemos iniciar a entrevista então?- George faz um aceno positivo com a cabeça e o Médico liga o enorme gravador que ocupava quase a mesa toda. Então ele prossegue com uma voz profunda:

" 17 de novembro de 1921. Caso de Histeria de D.B. Entrevista com o Marido.-Faz uma curta pausa e continua.

-Senhor B. Quando percebeu que sua mulher apresentava os sintomas?
-Depois de consumado o casamento, ela não engravidou depois de 2 anos...
-Eram regulares os coitos? Via alguma diferença nela nessa hora?
-Eram... mensais, quando estava em seu período fértil. Não, ela agia como toda mulher de família age- responde George nervoso pela interrupção.
-Entendo. Prossiga.
-Fomos a um especialista em fertilidade e vimos que ela não poderia engravidar. Então na mesma semana ela começou a apresentar crises de sonambulismo e tiques. Piscava os olhos demasiadamente e suas sobrancelhas se contorciam.
-E há quanto tempo foi a consulta?
-Foram a mais ou menos quatro meses. Fomos em Agosto.
-Além de sonambulismo e contrações involuntárias, percebeu mais algum sintoma?
-Não, mais nenhum.
-Tudo bem. Pode me contar mais sobre vocês?
-Bem, ela era filha de um antigo professor meu da faculdade. Em um de nossos longos passeios pelo campus,me dissera que tinha uma filha fora da idade casadora. Muito educada, bem instruída, mas meia feiota, me confidenciou com pena. Ele disse que o faria muito feliz se nos cassássemos. Eu prometi que o faria. Nos casamos quando ele adoeceu.
-Quantos anos tinham?
-Ela tinha 28  e eu 36.
-Casados a quanto tempo?
-5 anos em janeiro.
-Hmmm.. me falou que o pai dela tinha adoecido. Ele ainda vive?
-Não, morreu quando estávamos em lua de mel.
-Entendo. Isso pode ter influenciado.
-Nutre, qual tipo de sentimento por sua mulher? Afeto, desejo, raiva?
-Tenho respeito por ela e ela a mim. Isso é o que importa em um casamento sólido. O amor acaba durante os anos, respeito nunca, mesmo se o marido precisa impo-lo.
-Entendo.
-Tem alguma amante?
-Isso é um absurdo! Acho que está além de suas pesquisas essa sua pergunta, me recuso a responder.- O Doutor Leifert, pede para George ter calma com as mãos.

Caso de histeria de D.B. Entrevista com o marido concluída. Agora vamos analisar o caso de conversão por meio dos estudos das zonas histerógenas da paciente."- Mais uma curta pausa e com um "tick" desliga o gravador.

-Obrigado George, suas respostas foram bem elucidativas para o caso. Pode ir até a minha secretária para marcar as próximas consultas da Dália.

   O homem sai da sala meio tonto. "estudos das zonas histerógenas da paciente..." O sangue dele ferveu com essas palavras. Velho decrépito. Asqueroso. "Minha Dália é a mulher mais decente que eu já conheci, nem ruborizava ao cumprir os seus deveres de esposa. Oh, minha querida, me perdoe por isso."
  Chega até o balcão a passos tortos, murmura que quer marcar as próximas consultas e ele está lá novamente, aquele sorriso de deboche da secretária.
-Quantas consultas deseja marcar, Senhor Blackwood?
Ele se prepara para dar um forte tapa na cara sem cor da mulher, quase encolhida na cadeira. Mas outro som invade o consultório. E os ouvidos de George.

"uhhhhhhhhhhhm... uhhhhhhhhm... ahhhhh... ahhhh... AAAAAAAAAAAAAHHHHH!"

   O som perfura seu corpo como uma lamina fria. O medo corrompe todos os seus sentidos. Ele treme. Não sabe mas treme. Desce as escadas correndo até o carro, o som ainda está na sua cabeça e talvez fique para sempre. Um som do pecado e doença, uma eterna lembrança do inferno. Ele senta no banco e percebe que está entumecido. Memórias antigas são desenterradas, junto com uma torrente de lágrimas que ele é obrigado a engolir. Beijos doces de uma boca agora desconhecida, cheiro de pele quente. Se cheiro, sua boca...

"Velho Asqueroso"-Fala com cólera antes de dar a partida e arrancar com o carro. 

------------------------------#####--------------------------

(Continua)


  


Nenhum comentário:

Postar um comentário