quarta-feira, 24 de abril de 2013

Trecho: Fogueiras da Alma | O Conto da Queda



  Esse trecho foi uns dos últimos que eu "joguei". Ele faz parte de um RPG do tipo storyteller do sistema Vampiro, A Máscara. Por meses, eu e Devus, meu narrador, construímos (ou desconstruímos)  a vida da pequena inglesinha Joan Winchester nas linhas duras do Sabá. Nas entrelinhas, ganhei um amigo e confidente, um Templário que empunhava as palavras como espada.
  Hoje em dia estamos tão felizes para nos concentrar nos nossos personagens tão amaldiçoados, que o conto continua em declínio sem nós. Eles que nós perdoem, ou se vinguem, por ainda termos um coração pulsante.

Personagens: Ductus (clã Brujah antitribu) 
                   Joan (clã Toreador antitribu)

Cena: Indo para uma parte rural da Inglaterra, onde Joan aprenderá um pouco do Sabá e deverá fazer sua primeira caçada, sendo Ductus o seu tutor. 


[...] O carro avança apressadamente por entre as carcaças de metal, o ar era carregado de ferrugem e histórias. O abandono se fazia presente ali em todo canto, e as aves agourentas que antes repousavam pareciam extremamente incomodadas com a presença de mortos no matadouro.
  Aqui e ali, uma sombra se levantava e te roubava a atenção. Elas cresciam e mudavam de forma a cada curva e a cada novo ângulo tomado pelo veículo, deslizando por sobre as superfícies acidentadas com uma leveza impossível e plena. Elas seguiram o carro por cerca de setenta metros e então retornaram ao descanso em duas dimensões. Seu companheiro não pareceu se importar.
  Vocês cruzaram uma porteira velha e decrépita que ha muito custo se mantinha em pé, e a estrada a sua frente era uma listra negra em meio a um mar de árvores até onde você conseguia enxergar. Elas eram altas e quase que uniformes, calmas de uma maneira que você sabia que nunca ia ser. A lua reluzia em um amarelo cansado e haviam tantos pontos brilhantes no céu que o sol parecia nunca ter existido.
  Você suspira e no suspiro vem a senciência. Cada uma das estrelas é um mundo de beleza quente e perfeita além dos sentidos. Luminosas, infindáveis, inalcançáveis – tudo nelas te lembra reflete você, como se um milhão de espelhos tortos se dobrassem para te observar. Lá, naquela luz, existem todas as cores e todas as dores do universo – Um pedaço de você esculpido pelo capricho do acaso e sua navalha insana. Seus lábios se curvam como se por instinto você tentasse fazer uma reverência a grandiosidade inerente do cosmo, e então, vem a voz...

"Foco. Concentração. O sabá não é para fracotes."

  Subitamente o brilho deixa de existir. Os pedacinhos do paraíso tornam-se pontos de luz perdidos na imensidão do vazio. Opacos. Mortos. Algo gemeu e se contorceu em seu peito. A besta. Ela queria a beleza de volta. E ele tirou ela de você.
  "Não se deixe levar pelo legado do clã e casa das rosas. A maldição do hedonismo é uma ilusão que te fará achar beleza em cada pedra do caminho. A contemplação leva ao aprendizado. A adoração leva a traição. Essa não é uma lição para uma noite, mesmo sua criadora ainda não ha dominou, mas você deve se esforçar. Não se iluda, irmã, não podemos nos dar a esse luxo. Eu meditei sobre o que você disse sobre sua mãe, e lhe digo que ela ainda esta nesta cidade e que quando a encontrarmos eu espero que você seja capaz de fazer dela o exemplo pelo qual os outros traidores serão julgados. Nós não somos um bando errante levando a espada de maneira cega a inimigos desconhecidos, nós somos os açougueiros do diabo, somos destruidores de déspotas, assassinos de tradições e a mão armada dos bispados do grande norte. Nada disso te faz sentido agora, mas em breve, você vai ter que ser uma assassina. E é isso que vou te ensinar essa noite. Diga-me, criança, o que gostaria de destruir?"

  O ódio te cega por um instante e você se imagina girando o volante em direção as árvores do acostamento. Em sua mente, você vê sangue e fogo e dor e destruição. Ele tirou você de si mesma quando roubou o brilho de suas estrelas. As palavras que saem da boca dele te tocam com uma leveza calculada e quase profissional. Ele era seu instrutor na arte da matança, nada mais. Metade do discurso não faz sentido algum, a outra metade eram promessas e ensinamentos que ele parecia já ter repetido um sem fim de vezes. Ele continuava indiferente enquanto dirigia e esperava sua resposta.
  
 E ao longe, a silhueta da cidade começava a nascer.

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  Percebo que estou com o corpo totalmente arcado em direção ao motorista, como uma naja próxima a sua presa. Meu corpo treme, como se pudesse sentir o sangue correndo quente nas veias e formando manchas rubras em minha face, mas esse tipo de raiva, esse tipo... controlável de raiva morreu comigo. Uma raiva imortal e inumana corre por leitos secos dentro de mim, preenchendo o lugar de tudo que fosse mais complexo de sentir.
  "Ele roubou seu pequeno momentinho feliz. Ele não tem seus dons... é apenas um monstro encabrestado pelo seu dever. Ele nunca vai entender, nunca verá beleza no seu trabalho. Ele é a âncora que te deixa nesse pântano-pôs-vida. Corte, corte, corte.. em pedacinhos"- é o que ouço ecoando em algum canto da mente enquanto encaro o rosto do meu tutor. Mas é como se eu fosse um espectro, diante da indiferença dele. 
 "[...] e quanto a minha mãe... o julgamento dela será o meu próprio. Eu não sei o quão forte eu sou.. nem sei se estou preparada para me despedir de duas famílias de uma vez, irmão."
 Me encolho no banco, enquanto toda aquela fúria vai se dissipando e dando lugar ao breu noturno, lá fora e dentro de mim. Olho os pequenos pontinhos:
 " Do que adianta toda essa beleza, se quando eu posso vê-las, já terão se consumido? Mortas a tanto tempo quanto tiveram de vida. Vocês são tão desgraçadas como qualquer um de nós.[...]"













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