segunda-feira, 16 de março de 2015

Sentir é muito lento




      "Sinto muito. Sentir é muito lento." - dizia a pichação no muro da esquina que já dobrei. Os olhos baços, as mãos trêmulas. Como queria um cigarro. Andei pelas ruas como se elas e a chuva não existissem. 

    Cada vez que eu levantava minha cabeça, via os sorrisos dos corações atrofiados e eu arcava a boca para que o meu coração atrofiado pudesse sentir-se parte daquela farsa toda. Quase todos os corações são natimortos, em algum ponto da pequena pausa entre os batimentos, eles morrem, mas ainda sim, continuam pulsando sem sentido. Ninguém te para na rua e pede para ver a certidão de óbito dele. Isso você deixa para aquele momento em que homens não choram, mas choram. 

    Finalmente parei no posto e comprei o maço. Opiático e vermelho. Recomeço a andar. Olhos baços, mãos menos trêmulas. Agora tenho meu cigarro. A minha direita, toda uma imensidão de lápides e adeus do cemitério municipal. As minhas costas, todas nossas poucas lembranças e adeus. Acendo um cigarro e em um pequeno êxtase,te trago comigo. O cigarro queima rápido no curto trajeto até a rodoviária. Compro minha passagem e o gosto da nicotina se faz ainda presente, quando o ônibus dá partida. Em algum canto da cidade um coração agoniza e atrofia.
     "Sinto muito. sentir é muito lento" - dizia a pichação no muro da esquina que já dobrei. E nunca mais dobraria.  

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